Valor Econômico 27/07/2015
A queda nos preços do petróleo está colocando em xeque um importante projeto do presidente do Equador, Rafael Correa: uma reforma constitucional que permita a ele se reeleger quantas vezes quiser. Alguns analistas, além disso, já vislumbram no horizonte um risco para a própria estabilidade de seu governo.
Golpeado por setores à direita e à esquerda, em meio a um início de crise econômica, Correa viu a sua aprovação cair vertiginosamente nos últimos meses, o que dificulta a tarefa de mudar a Constituição para poder se candidatar novamente à Presidência em 2017 (hoje a lei permite apenas uma reeleição consecutiva, como no Brasil) ¬ medida que já era impopular no país antes do início dos problemas econômicos.
Seu partido, Aliança País, tem 100 das 137 cadeiras na Assembleia Nacional. Mas, apesar da ampla maioria, não há clima neste momento para votar o projeto de reeleição sem insuflar uma nova onda de manifestações. "Há pressões para que esse projeto, que é rechaçado pela maioria da população, seja colocado em um referendo popular", diz o analista político Felipe Burbano, da Faculdade Latino¬Americana de Ciências Sociais (Flacso). "Mas Correa teme uma derrota e prefere que isso seja apreciado pela Assembleia."
Pesquisa Cedatos/Gallup, de junho, colocou a aprovação do presidente no nível mais baixo em seus oito anos de governo, em 46%. Ele havia terminado 2014 com 79%. Pela primeira vez desde 2007, quando chegou ao poder, menos da metade dos equatorianos avaliam seu governo positivamente.
"A queda da popularidade de Correa assusta, ele está muito exposto", diz Bruno Ayllon Pino, professor do Instituto de Altos Estudos Nacionais do Equador. "Isso é consequência da deterioração da situação econômica do país."
A baixa nos preços do petróleo, tradicionalmente responsável por mais da metade das exportações do Equador, está golpeando a economia. O Banco Central prevê uma alta de 1,9% do PIB (Produto Interno Bruto) neste ano. Mas economistas locais têm dito que dificilmente o número passará de 1%. Se confirmado, o resultado superará apenas o registrado em 2009, em meio à crise financeira global (veja quadro).
A receita com a venda do produto ao exterior caiu pela metade entre o janeiro e maio de 2014, e os cinco primeiros meses deste ano ¬ de US$ 5,745 bilhões para US$ 2,962 bilhões. Uma dificuldade adicional é que o Equador não tem acesso a financiamento externo, após ter dado default em 2008.
Com cada vez menos dólares entrando no país, Correa foi forçado a adotar medidas impopulares de ajuste, como salvaguardas para frear as importações, sobretudo de produtos consumidos pela classe média, e a criação de uma taxa sobre remessas ao exterior para combater a fuga de capitais do país, que tem a economia dolarizada.
As reservas internacionais somam US$ 4,5 bilhões, o suficiente apenas para cerca de dois meses de importações. Com isso, o país recorreu no início do mês a uma regra da Organização Mundial do Comércio (OMC) para restringir temporariamente as importações, na tentativa de equilibrar sua balança de pagamentos. O governo impôs, assim, uma alíquota adicional sobre 30% das importações.
Em junho, a decisão de Correa de implementar impostos sobre heranças e sobre a venda de imóveis desencadeou uma série de protestos de rua às vésperas da visita do papa Francisco ao país.
Lideradas por prefeitos oposicionistas e com ampla participação da classe média, já antipática ao presidente, as manifestações foram maciças durante três semanas nas principais cidades equatorianas, como Quito e Guayaquil, o que levou o presidente a recuar da ideia de implementar as taxas.
À esquerda do espectro político, dizem analistas, Correa vem perdendo cada vez mais apoio entre sindicalistas, professores, indígenas, ambientalistas e alguns dos movimentos sociais que o ajudaram a ascender à Presidência.
Segundo esses analistas, isso ocorre em parte por medidas que desagradam esses setores, como o aumento do controle do Estado sobre fundo de pensão do magistério e a autorização para a exploração de petróleo em áreas protegidas da Amazônia. Mas o estilo autoritário e personalista de Correa também dificulta o diálogo.
Com boa interlocução com esses setores, o chanceler Ricardo Patiño anunciou em 16 de julho uma licença de dois meses do cargo "para trabalhar na reorganização das bases" do Aliança País. No anúncio, Correa admitiu que as manifestações "podem desestabilizar o governo, gerar caos e violência". Por isso, pediu a Patiño que o ajude a "fortalecer os centros da Revolução Cidadã", como ele e seus partidários chamam o processo político no Equador após 2007.
"Há tantas frentes de oposição, que fica difícil para o governo mirar apenas um bloco", disse Burbano. "Se a crise seguir se agravando, Correa terá problemas de governabilidade."
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